Tudo começou num terreno grande. Era fim de outono e o sol denso e vermelho se deitou na terra e o fim de tarde sorriu... e as alfaces sorriram e o vira-lata e o pastor belga... todos sorriram. Sorriu também a menina de cabelos cacheados em seus precipitados cinco anos, entendendo, enquanto caia o vermelho, que ainda se apaixonaria. Sob a terra, como se abraçadas pelo sol, três sementes confusas brotaram sem imaginar que, na verdade, o frio chegaria em breve. E o frio chegou e o sol se tornou um fiozinho morno exclusivo dos dias de céu aberto. No grande terreno lutavam pela vida os delicados pezinhos verdes com sua meia dúzia de folhas novas. Gritavam pela vida como um menininho que solta pipa pela primeira vez.
Como quem ama agüentaram o fim do inverno e o ressoar da primavera.
Depois de se acostumarem com o frio intenso todo aquele calor eminente acabou foi por deixar as plantinhas completamente mareadas... Os vasos dilatados, a seiva correndo rápida e toda aquela sensação de enjôo. No terceiro dia foi inevitável. Uma das plantinhas não se contem e vomita um "troço" roxo. As vizinhas enojadas vomitam logo em seguida, amarelo e vermelho, respectivamente. Mais 24 horas e acordavam para o sol três amores perfeitos. A menina corre. Arranca-os, coloca-os em um vaso. Sentia seu coração disparar. As mãos geladas. Procurava por alguém em alguma rua feita de fim de tarde... Deixou o vaso num canto e correu por uma porção de vielas vazias... Quando e deu conta... já havia perdido o vaso e as flores... Chorou sentada no asfalto. As flores, o amor pra quem as entregaria, esquecidos juntos em algum lugar. Seus amores perfeitos se perderam. Foram levados por alguém sem coração e plantados numa floreira quase sem terra numa praça fedida. E eles haviam nascido num desses terrenos... num... num desses terrenos como o meu coração... como o meu coração... um terreno grande com um sol vermelho se deitando sobre ele e as alfaces gargalhando junto com uma menininha de cabelos encaracolados que descobre, sabe-se lá porque, naquele momento, que ainda vai amar... E vai... É... E vai...
3 comentários:
Amar apenas a iminência de amar é, às vezes, mais belo do que amar a pessoa amada!
Amar o amor...
...mais do que amar o próximo!
Ensaios empíricos sobre como o amor se tornou azul. Belíssimo blog.
Este último texto é muito sensível e me agrada as sutilezas enormes : "...Arranca-os, coloca-os em um vaso. Sentia seu coração disparar. As mãos geladas." Lindo.
Continuo acompanhando. Obrigado.
Teu texto me fez recordar "O Rouxinol e a Rosa" de Oscar Wilde... Já leu? As vezes nos comportamos como aquele rouxinol que até morre em prol do amor, que de uma certa forma acaba sendo visto como nada pelas pessoas a quem nos dedicamos.... Daí me pergunto, pra que a entrega então?
Mas, a entrega é útil, pois de uma certa forma nossa pureza, quando rejeitada, nos faz retornarmos a nós mesmos.... Nos enxergarmos... Amadurecermos...
Amei encontrar seus textos....
um grande abraço.....
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